- Tô com uma sensação escrota. Um vazio... vazio de pessoas mesmo. Como se todo mundo tivesse em modo automático. E tava achando que era porque eu vinha exigindo que as pessoas pensassem como eu penso, sabe? Eu não falava nada e esperava que elas ja deveriam saber o que eu tava querendo que elas soubessem.
Me aconselharam. Percebi que eu que tava errando e resolvi falar. Resolvi usar t o d a s a s l e t r a s, mas reparei que, mesmo assim, as pessoas não entendiam. Não ouviam. É, elas não ouvem. Tu "da a entender, deixa a mercê de interpretações, elas não entendem. Então tu para e pensa - ok, eu que preciso falar mais claramente e não esperar que os outros saibam o que eu to pensando e sentindo. - Ai tu resolves te abrir.
E as pessoas cagam.
E aí tu te sentes essa bosta que ninguém quer perder um segundo pra ouvir. E fica numa crise existencial, se perguntando se é melhor mesmo tentar falar ou tava melhor ficar de boca fechada? Escolhes a segunda e ficas te fazendo crer que só não te escutam porque tu que não estás falando nada.
Ai tu voltas a fingir que assim, tua vida tá meio bosta, mas pelo menos ainda tens amigos, tens alguém pra te ouvir e na real, é tu que não quer falar mesmo. Tu és um ser seco. Frio. Assume. Porque na teoria é mais fácil resolver as coisas quando só depende de ti. Então assume. Assume pra parecer mais fácil. Assume pra não parecer egoísta, coisa de quem quer atenção. Assume e te afasta do mundo. Te afasta porque tá tudo pesado. Te afasta e vira a pessoa egoísta que quer se afastar.
Por fim, percebes que nunca foi uma questão de escolha. Tu nunca escolhestes se ia ficar de boca fechada ou ia falar. Tu nunca escolhestes. Tua voz que acaba e tu preferes fingir que quis calar. Tu ficas de boca fechada porque tens vergonha. Tu ficas porque parece idiota gritar pra ninguém ouvir. Ai tu não grita e também te sente idiota. Mas pelo menos é contigo mesmo e ninguém tá vendo. É menos feio. Aí parece mais fácil.
- Viu? Isso que tô falando. Você leva tudo muito a ferro e fogo.
- ... é.
- !
- ...
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