Ela me disse que adora me escutar com os olhos. Isso me fez pensar demais. Tento exteriorizar tudo o que eu tenho aqui dentro e as vezes eu falho.
Eu tive um dom, um dom que eu tirei de mim. Tive a chance de mostrar pra todo mundo, mas eu não quis. Eu tirei ele de mim.
O tempo vai passando, e ficam com a gente lembranças dos tão famosos tempos que "não voltam mais". Insistem em dizer que pra se viver é necessário deixar tudo pra trás. Por que diabos eu não sei fazer isso? Talvez seja porque eu realmente não acho que tem que ser assim. Eu gosto de lembrar de quando eu acordava as 6 da manhã, por livre e espontânea vontade, com a única intenção de acordar o meu vizinho pra gente brincar. Naquele epoca eu achava que quanto mais cedo eu acordasse, mais tempo eu teria pra brincar. Chegava lá, fazia o café da manhã, sempre a mesma coisa... Pão com ovo, gema mole e um copo de nescau com 3 colheres - ele sempre gostava de nescau bem forte - Depois disso vinha a TV colosso, a gente via a apresentação, saía de lá pela rua atrás de coisas pra fazer. Era tão simples. Achava uma pedaço de galho, inventava que era uma espada e saía batendo nos inimigos que sempre eram as coitadas das plantinhas da mãe dele. Aí cansava, trocava de brincadeira, pegava a bicicleta, subia morro, descia morro, colocava tampinha de margarina no aro pra fazer barulho de moto...
Meio dia sempre tinha um monte de mães chamando todo mundo. Era "Daniele" de um lado, "Marcelo" de outro, "Vitor e Loly", "Paulinho", e lá de casa sempre a minha mãe sentada na calçada me chamando enquanto conversava com a vizinha do lado. Eu lembro que comia rápido e já queria sair pra ir brincar. As vezes meu vizinho nem tinha comido ainda. Hoje eu sei a baita falta de educação que era. Mas na época, meu, isso pouco me importava. Eu sentava com a Kelly (cachorrinha) no colo e espera ele comer.
E o dia que a Priscila (outra cachorrinha) teve filhote? Fui correndo escolher um pra mim. O menor, o "Sheik". Depois de 9 anos eles se foi. O melhor de todos.
É logico que esses 9 anos não passaram assim.. despercebidos. Muitas coisas boas e ruins. Não lembro de muitas delas, mas lembro de algumas. Lembro do Natan, o gato do vitor. Lembro do Spike, o cachorrinho que a mulecada toda resolveu cuidar. A época das iguanas, que até a gente saber que eram realmente iguanas tiverem um milhão de nomes dados pela vizinhança inteira: Lagarto, bixinho verde, verdinho, camaleão etc. E foi eu quem viu o primeiro por lá, paradinho, na janela do banheiro dos meus pais.
Eu lembro das sonecas da minha mãe a tarde. As pestanas. Sabia que era o tempo que eu tinha pra lavar a louça. Ai de nós se deixássemos a louça lá - disso eu me lembro bem - Lembro da buzina do carro quando meu pai chegava em casa, aquele barulho do motor acelerado, com a ventuinha a mil. Vish, lembro muito desse calor dos verões. Sol de rachar na garagem, aquele céu azul. Pensando no oposto lembro também dos banhos de chuva. Minha mãe nunca deixava mas eu ia pra casa de mansinho pra me molhar bem.
Alguém já queimou bombril? Isso sim que é divertido. Amarrar um tufo de bombril na ponta de uma corda, colocar fogo e começar a rodar. A noite fica lindo demais. Lembro de acordar com o sol na cara, com o calor de rachar no telhado de casa. Lembro do meu ventilador que fazia um "nheco nheco" meio chato a noite inteira.
Lembro dos churrascos e da Formula 1. Lembro da maionese da minha mãe, dos almoços na minha nona, as tardes no outro nono. Lembro dos peixinhos que eu tentava "pescar" no ribeirão. Lembro dos meus primos correndo pelos matos, lembro do jardim do meu avô. Da arvore que meu pai disse que caiu um raio em cima, da flor que minha mãe contava sempre a mesma historia "seu vô gosta mais dessas flores do que dos filhos dele", hahaha Sempre exagerada essa bela. Lembro das reformas lá de casa, quando o escritório ainda era um monte de tijolo e um montinho de areia. Lembro do primeiro dia com banda larga - nossa como era rápido. Lembro da praia, do meu peixe laranja com rodinhas. Lembro de dar banho no Sheik quando a gente ia pra lá. Uh cachorro cheiroso. Não importa quantos banhos a gente dava, sempre o meso cheiro de cachorro molhado. Lembro dele brigando com ele mesmo no retrovisor do carro. Do meu pai se fazendo de durão, fingindo que não se agradava muito com ele. Lembro mais disso quando vi a carinha do meu pai quando disseram que o Sheik tinha que ir embora...
Sofri pelos dois. As vezes eu pegava a minha mãe lá no meio do mato conversando com o Sheik também.. Ele era da familia... As vezes eu ainda sonho com ele, como se ele ainda tivesse comigo... Foi triste deixar ele lá.
MAs deixamos, encontei um pestinha chamado Denis que acabou ficando grande demais. Não importa, grande era ele, grande era meu amor também. Esse sim roía tenis de todo mundo que ia la em casa, se deliciava se babando todo nos pés por aí. O Neon.. eita bixinho querido. Mal miava... me deu um sustão uma vez mas ficou bom logo. Cuidei dele noites inteiras..
Lembro da minha mãe brigando comigo pra procurar emprego, e lembro de nao querer procurar. Poxa, nao era lá que eu queria trabalhar. Arrumei um pela net, aqui em São Paulo e vim. Tô aqui.
E depois ainda dizem que nós temos que apagar nosso passado? Eu sou o meu passado. Esse presente só é meu presente porque eu tive esse passado.
Foi no meio desse passado que eu ganhei um dom. Um dom de escrever, de entender, de escutar. Ganhei o dom de fazer música, de tocar, de ouvir, de cantar. O dom de exteriorizar tudo o que eu tinha aqui dentro. Um dom que me dava conselhos e me ajudava quando eu precisava. Um dom que eu tive e tirei de mim.
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